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Dai, o  Táctico

 

 O escalador japonês Dai Koyamada  está presentemente na Suíça,  para uma  das suas visitas sazonais onde, metodicamente, esmaga os bloco mais duros, um a um. Desta vez, os seu métodos e tácticas chamam poderosamente a atenção, e bem, levando muita gente a constatar o óbvio, isto é, que a escalada é um desporto centrado na técnica e no movimento. E, que os pormenores tácticos podem  fazer,  também, a diferença, pormenores que Koyamada parece levar ao mais ínfimo detalhe.

A táctica no bloco assume extrema importância. E embora seja um factor que pode ser facilmente melhorado, bastando aplicar na rocha os resultados de algum raciocínio lógico, contínua mesmo assim a ser um dos factores mais descurados. Impulsividade, preguiça, incúria, falta de tempo etc, etc, encontram-se nas razões mais frequentes para não serem aplicadas as boas tácticas. Podemos, por outro lado, escalar apenas com base na impulsividade, o que é licito e nada criticável, mas estamos aqui a falar de, e para, escaladores que gostam, e querem, escalar no limiar máximo das suas possibilidades, seja V0 ou V15, e que procuram sempre formas de esticar esse limite. Nesse limiar cada detalhe conta. Podemos fazer um paralelo com um himalaista que, por exemplo, tira os rótulos em papel das latas que leva na mochila (métodos do Messner…). Assim, guiados pelos métodos de Dai vamos o esmiuçar a táctica na arte de escalar blocos.

Dai só escala com temperaturas correctas.

No caso, na Suíça, espera pelo fim da tarde, para escalar determinado problema nas melhores condições. Esperar pelas temperaturas mais baixas do fim da tarde ou da madrugada, para quem conseguir, podem fazer toda a diferença num bloco no nosso limite. Menor temperatura significa mãos secas logo melhor aderência nas presas. 

Dai vai ainda mais longe, para cada problema concebe quais as melhores condições, por exemplo no Big Paw (V15), que acaba de encadear, as condições que define como melhores são: uma ligeira humidade e a temperatura não demasiado baixa, isto é, entre os 5 e os 6º. No dia em que encadeou, que  era suposto ser dia de descanso,  foi “checar” a rocha ao fim da tarde, e deparou-se com as condições que queria, não hesitou, foi a casa buscar o material e despachou o problema à segunda tentativa com frontal, sem mais.

Koyamada dá um tiro por hora.

Super zen. Esperar e fundamentalmente recuperar bem entre tentativas é fundamental, para conseguir apertar ao máximo. Podemos não chegar ao exagero da hora, mas alguns minutos podem fazer a diferença.

Dai dá 110% em cada tentativa.

Ser capaz de focar ao máximo e ir ao limite em cada tentativa é uma coisa que parecendo simples é o mais difícil de aplicar na pratica, ser capaz de escalar fora da “zona de conforto” é o que faz a diferença entre os escaladores.

Dai limpa cuidadosamente os pés de gato.

Pés de gato com terra ou mesmo com magnésio (é verdade) não aderem o mesmo, e surpresa: escorregam.

Koyamada escova meticulosamente as presas.

Hi…pois é, não há como uma presinha limpa de terra, borracha ou magnésio.

Koyamada possui uma larga colecção de pés de gato e alguns deles “kitados”.

Ter a possibilidade de escolher os pés de gatos mais adequados para cada problema pode parecer um luxo, mas muitas vezes é mais um pequeno detalhe que pode fazer a diferença. “kitar”  é ir ainda mais alem, existe hoje, por exemplo, a possibilidade de aplicar borracha líquida na parte de cima dos “gatos”.

Dai descobre a sua própria “beta” que depois aplica de forma calculada e precisa.

Escalar de forma precisa como um “ninja” pode não estar imediatamente ao alcance de todos, mas trabalhar um bloco descobrindo a sequência que mais se adequa as nossas próprias características é fundamental, sem ficar preso a sequências de terceiros que muitas vezes não conseguimos executar. Esse desdobramento mental, potencia a imaginação e enriquece o famoso “reportório gestual” de cada escalador, fundamental para a sua progressão técnica.

Koyamada usa vários tipos de magnésio conforme as condições.

Esta entra directamente para a categoria de mito urbano…

Anedotas à parte e sem entrar na paranóia, a táctica é só mais um factor que contribui para um encadeamento que como já se disse é muito pouco aplicado, embora a sua aplicação seja simples, fácil e de efeitos imediatos. Perguntem ao Dai. SM 18/10/2010

 

NBLéxico

Já aqui referi que a escalada portuguesa está infestada de estrangeirismos irritantes. Fartos de tropeçar em “aspas” e itálicos avulsos, vamos tentar estabilizar o nosso léxico.    

Aqui ficam alguns dos termos mais usados. E as nossas sugestões.   

Á-platte. Difícil de encontrar um substituto: o “abaulado” brasileiro é interessante. Quase exótico. O “romo” espanhol é curto e bruto, uma alegoria quase perfeita dos nossos vecinos? O “Sloper” anglo-saxónico não pega. Vamos então tentar a via do aportuguesamento sugerindo-se áplate.  

Bi-doight. Aqui parece evidente o aportuguesamento para bidedo. A palavra não existe mas o seu uso é tão corrente que esta é sem dúvida a melhor opção. A título de curiosidade o termo mais próximo no dicionário é bidigitado, mas não é tentador, já “bidigital” seria engraçado. Aplicaremos o mesmo princípio para monodedo e tridedo, obviamente.   

Blocar. Embora o verbo exista, não tem propriamente o significado de bouldering. Mas aqui parece interessante uma apropriação da palavra para nosso benefício. Passando a definir-se blocar como a actividade de escalar blocos. Mas “blocador” já não existe teria de se escrever bloqueador, o que não é tão interessante e nos leva para o – harg! – universo das cordas. Usando blocar no sentido de bouldering faz sentido usar blocador no sentido de Boulderer ou praticante de Bouldering.   

Campus. A palavra aparece já nos dicionários mais recentes, por isso é fácil e pode-se escrever: movimento de campus já sem itálico. Claro que um não iniciado vai pensar em algo como movimentos contestatários com origem em algum campus… universitário.    

Crashpad. Vulgo crash. Deveríamos dizer colchão-de-queda. Mas realmente não pega, imaginem: – Bolas! Não trago colchões-de-queda suficientes para tentar este bloco!… Aqui o mais sensato é manter o anglicismo: crash.    

Drop off. Difícil de arranjar um termo de substituição. Imaginem: – Este bloco acaba neste puxador-de-largar! Ou: – Este bloco é de largar no fim! Ou: – Este bloco é um deixa-te cair. Impossível. Ficamos com o Drop off. Lindo seria escrever Drópofe, mas não nos atrevemos a tanto.    

Flash. Um bloco pode ser feito em flash. Mas não pode ser “flachado” porque o verbo “flachar” não existe. De qualquer forma o termo já pode ser escrito como flash ou flache, nós optaremos por flash.    

Highball. Não há substituto possível. Poderia ser simplesmente bloco alto, mas nem todos os blocos altos são altos blocos. Bola alta não ficava mal, mas é linguagem do –harg! – mundo dos desportos com bola. Fica highball.     

Mantel. O movimento fetiche (sim senhor, fetiche em vez de fétiche) na arte do bloco. Existe um termo muito usado por estas paragens: Salto de cavalo. Não é muito prático mas já está de certa forma enraizado por isso a nossa sugestão vai no sentido de usar salto de cavalo no sentido de rétablissement ou mantel.    

Reglette. Há! Esta é a palavra fulcral, pois um bloco a sério tem de ter várias. Uma tradução possível seria réguazinha, mas é impraticável dizer: – Ui, que duro! Estas réguazinhas estão muito afastadas! Por isso e devido aos anos de uso quase generalizado sugerimos o aportuguesamento para réglete.    

Swing. Já se pode escrever em português ou já foi feito o aportuguesamento. Imagino que não será tanto pelos começos swing dos blocos, mas mais pela popularização… dos clubes de swing. Assim, quando começar-mos um bloco dando impulso com o pezinho que está no chão seremos… swingers. Embora isto não signifique que se viabilize a troca de encadeamentos entre escaladores praticantes de começos swing.    

Estas são as nossas sugestões, para uso neste sítio…ou site. Segundo o livro de estilo do Público seria sítio, mas enquanto não publicamos o Livro de Estilo Nortebouldering optamos por ficar com o estado de sítio neste site.

O Verdadeiro C.S.

Em plena Sala de Visitas, Assunção, Santo Tirso, o verdadeiro e único: Rala Canelas (V7 cs). Escalador: José Abreu; Fotos: Sérgio Martins.

Odiado pelos puros falésistas. Levado às ultimas consequências pelos mais inveterados adeptos do bloco. O começo sentado (C.S.) é um dos movimentos do bloco mais mal interpretados e…traficados.

A definição é simples: na posição sentada em frente ao bloco, posicionamos mãos, posicionamos pés, na rocha, e o ultimo ponto a abandonar o chão é o rabo ou nádegas ou cu, bem… como preferirem.

O que não se deve fazer: serem os calcanhares os últimos pontos a abandonar o chão, usar mais do que uma crashpad (a não ser que assim seja especificado), alguns dirão mesmo – em Fontainebleau por exemplo – que nem se deve usar crash, mas talvez seja melhor deixar essa questão na gaveta da ética local, o nosso cóccix agradecerá com certeza.

Portanto, quando por aqui aparece um “Vqualquercoisa C.S.”, quer dizer que o bloco foi feito nas circunstancias acima referidas e não começando com os pés no chão ou com 5 crashs ou …agachado de cócoras.

E, para quem ainda não deixou de ler e quer conhecer o sítio onde melhor pode por em prática os começos sentados, uma escola NorteBouldering: Santo Tirso.

Santo Tirso tem, que eu conheça, o maior numero, os mais duros, os mais mitrados, os mais excruciantes começos sentados de VB a V13, vejamos:
Começamos com o Salto da lama (V2), indescritível. A seguir o Investida Pélvica (V3), bizarro no mínimo. Seguimos para o Devorador de Lanches Mistos (V4), pouco duro, depois o Viagra (V6), inqualificável. Não podemos deixar de fazer o excruciante Rala Canelas (V7) e o Passeio Micológico também (V7). A seguir e numa espécie de Twilightzone dos começos sentados: o Dunfer com uma estratosférica cotação de V13, só de arranque.

Depois desta escola, ou com esta escola, estamos preparados para viajar pelo mundo fora, sem nunca estranhar nem falhar um verdadeiro C.S.

Haverá Sangue

Inimigo número um dos “blocadores”. Pode ditar o fim de uma sessão ou simplesmente acabar com uma roadtrip. Assume vários nomes e variantes conforme a região ou país onde estamos. Mas, no fim, vai dar tudo ao mesmo e de certeza que…haverá sangue.

Estamos a falar de bifes, mas se estivéssemos em Hueco Tanks só nos entenderiam se disséssemos bloody flapers. Se estivéssemos em França teríamos de dizer steak em inglês mas com pronúncia francesa. Por uma vez, fintamos o jogo dos galicismos, anglicismos, espanholismos e neologismos que infestam a escalada portuguesa e ficamos bem servidos com um excelente bife. Que, por acaso, resulta de um aportuguesamento do inglês beef, português, português seria naco ou posta, pois não somos muito dados a filetes, mas não seria prático e muito menos correcto dizer: falta-me um naco no dedo ou saiu-me uma posta da mão.

A Nortebouldering preocupada com o derrame intempestivo de hemácias e leucócitos em presas alheias, deixa aqui algumas sugestões, ou conselhos, para evitar essa festa dos sentidos que constitui a experiência de fazer um bife na pedra. E, também um guia de tratamento para quem não seguir esses conselhos e se vir com um bife em mãos.

O nécessaire

Pois é, mesmo o “blocador” mais endurecido, tem de ter um, especialmente em roadtrip, se quiser escalar o dia inteiro e fazer a sua pele durar para sempre. Eis o que é mesmo necessário o nécessaire carregar.

Lixa fina. Pode ser um, muito pratico, bloco usado para lixar madeira, à venda em lojas de ferragens ou tiras de lixa para unhas, à venda em qualquer supermercado, aqui podem pedir sempre às vossas namoradas, esposas, irmãs ou mães que adquiram o produto se não quiserem ser vistos a deambular por semelhantes expositores.

Bálsamo. Vulgo creme hidratante para mãos. Existem dezenas de marcas e cada um tem a sua preferida, havendo já produtos específicos para a escalada como o excelente Climb-on.

Corta-unhas. Útil para cortar pequenos pedaços de pele recalcitrantes.

Gaze estéril e um desinfectante, uma solução interessante é betadine em pomada.

Adesivo, vulgo Strappal.

Super-cola. Isto merece um comentário mais aprofundado, ver mais à frente.

Cuidados preventivos

Lixar a pele. A ideia aqui é lixar os calos para os deixar uniformes com o resto da pele.

Não vamos lixar a pele que está boa, a rocha encarrega-se disso, mas as irregularidades que podem, digamos, “engatar” na rocha e fazer estragos. Ostentar calos monstruosos, como medalhas de treinos compulsivos, é o caminho mais rápido para um bife.

Usar magnésio com moderação, principalmente o líquido. E, uma vez acabada a sessão lavar rapidamente as mãos. Nada de saltar directamente para o carro, fazer a pequena viagem Pedra do Urso – Porto e chegados a casa cair, exaustos, na cama, só lavando as mãos no dia seguinte.

Hidratação. Todas as manicuras sabem que a pele tem uma coisa chamada balanço hídrico, que, como é bom de perceber é desequilibrado pelo nosso pó preferido e pelas condições que mais gostamos para “blocar”: frio seco. Assim, uma vez livres do magnésio, toca a hidratar para devolver à pele as condições ideais para a sua regeneração.

Por fim, a sugestão mais difícil: saber parar. Fazer repetidamente o mesmo passo é o caminho para furar um dedo mas também é o caminho para fazer um bloco por isso a solução é ir observando os dedos e parar antes que seja tarde demais.

Se, mesmo com estas milagrosas sugestões as vossas mãos se transformarem em delicatessen, eis o que fazer, conforme os casos:

Cortes e furos

Irmãos mais novos do bife, constituem o dano mais comum nestas paragens, mas se não formos cuidadosos acabam por levar ao famigerado bife. Uma vez o dedo furado, nada a fazer, lavar com água limpa, desinfectar e se quisermos continuar a escalar temos de passar à arte do adesivo, operação que tem de ser feita com algum cuidado para que o adesivo não salte fora ao primeiro ensaio. Eis o que fazer: Colar um pedaço de adesivo ao longo do dedo, em cima e em baixo. Depois, com um pedaço mais fino – aí 0,5 cm de espessura – começar a enrolar o dedo da ponta para trás, desta forma impedimos que as dobras do adesivo engatem na rocha. Conforme a localização do furo enrolar duas ou três falanges.

Gretas, fissuras e crevasses

Frio, magnésio, escalada em excesso em presa muito pequena, leva muitas vezes a estas irritantes ocorrências, a pele simplesmente cede e abre, produzindo-se fissuras extremamente dolorosas, podendo levar dias até que fechem outra vez. Para as evitar: lixa e creme hidratante, uma vez ocorridas um dos remédios pode ser recorrer à super-cola, para as fechar. Já nos debruçaremos sobre o seu uso e aplicação.

Bifes

Um bife verdadeiro, é algo sério e sangrento. Geralmente ocorre na falange intermédia onde a pele levanta toda, sob a acção de uma presa cortante. E aqui, podemos seguir dois caminhos, a famosa “cura de Hueco” que reside em colar a pele outra vez usando KrazyGlue – uma marca de super-cola – , usar adesivo e continuara a escalar. Esta solução é altamente desaconselhada pois o risco de infecção é grande numa ferida destas e essas colas não são propriamente feitas para esse fim.

O outro caminho é simplesmente lavar, desinfectar, fazer um penso com gaze e adesivo e esperar por melhores dias.

A super-cola

O uso da super-cola na escalada, tem a aura de quase um mito urbano, senão vejamos: Uns dizem que foi desenvolvida na Segunda Guerra Mundial para fechar feridas de batalha em cirurgias de emergência. Outros dizem que foi inventada, pelos mesmos motivos, mas na Guerra do Vietname. Isto para garantir que pode ser usada para fechar os nossos famosos bifes. Diz-se ainda que varia com o tipo de cola, a super-cola é cancerígena e a Krazyglue não. Muita desinformação.

Super-cola, krazyglue etc. são produtos similares que tem como base o cianoacrilato, produto inventado em 1942 nos laboratórios da KodaK, e comercializado anos mais tarde como cola sob o nome Eastman 910. Desde o inicio que o seu uso em medicina foi considerado e aparentemente foi mesmo usado em 1966 na guerra do Vietname por equipas médicas especiais. Apesar disto a FDA mostrou-se relutante em aprovar o seu uso “civil”, devido a efeitos irritantes para a pele. Foram por isso desenvolvidas novas versões do composto chegando-se ao “2-octyl-cyanoacrylate” aprovado para fechar incisões cirúrgicas em 1998 pela FDA. Havendo actualmente um produto comercializado sob o nome de dermabond que usa este componente.

Mas, podemos ou não usar a super-cola corriqueira? As super-colas para bricolage usam outro composto o: “methyl-2-cyanoacrylate”, um adesivo mais forte, que não só pode irritar a pele como provocar queimaduras, pois a polimerização da cola provoca uma libertação de calor significativa. Assim, se formos pelo lado da segurança este produto não deve ser usado numa ferida aberta ou mesmo sobre a pele.

Bom, continuaremos a furar os dedos, pois não há cola que nos mantenha em casa quando as condições são perfeitas para blocar. Mas, para quem chegou até aqui, não será por falta de informação.

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